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domingo, 14 de novembro de 2010

Minha cidade



Santa Efigênia, minha cidade...
Minha cidade? povoado.
Rua da minha infância
rua larga,
de terra,
poeirenta,
meninas girando a ciranda
"Ciranda
cirandinha,
vamos todos cirandar..."

Rua larga,
casas de barro,
pequeninas,
vermelhinhas,
sem janelas,
sem jardim,
sem cerca,
livres.

Santa Efigênia...
Circo e palhaços,
risos e alegria,
sustos e surpresas,
quermesses,
cavalhadas,
muitas gentes,
muitas músicas,
cheiro de sorvete de uva no ar.

Festas, dança, música,
circo, diversão,
estudo, educação,
casar,
viver,
ser mãe,
com amor,
com emoção!
Sonhos perdidos,
à tudo: NÃO!

Minha mãe...
cruel,
muito desumana,
muito sem amor.
O meu marido...
carrasco, rude
sem amor próprio.
Sentimentos:
dono do mundo, dono de mim.

Santa Efigênia, Alagoas
marido, separação:
Libertação.
Sentimentos:
dona do mundo, dona de mim.

Obs. Texto inspirado no poema "Minha cidade" de Cora Coralina.

Que delícia escrever!

10/09/2010
Hoje minha aluna chegou animada, sorridente, pra cima! Conversou com minha mãe, que veio me visitar, ambas oraram (são evangélicas), conversaram um pouco.
Antes de iniciarmos a aula propriamente dita, me falou que “a Senhora precisa ler o livro que me deu. Como é bonito. Como ele conta a história com “minúcias”. Agora consigo apreciar o que leio, entendo porque tantos detalhes na história. Consigo ver a cena, os acontecimentos.”
Iniciei a aula dizendo a D. J., que faria duas leituras de poemas de Cora Coralina, que um deles traria um desafio para ela.
Li, primeiro, “Ofertas de Aninha” (Oração aos Moços), onde a autora fala, entre outras coisas, da importância de não desistir da luta, de recomeçar sempre, acreditar na vida. Quanto terminei a leitura logo ouvi os comentários “Que lindo! Como ela escreve bem!”  e ainda “Quando escrever meu livro, acho que não saberei usar as palavras assim”. Encerrei esta parte dizendo que esta leitura era para fruição, somente para ouvir e apreciar, mas que a outra que faria em seguida traria o desafio.
Li, em seguida, o poema “Minha cidade”, onde a poetisa fala de sua infância, impressões sobre a cidade de Goiás. Falei para a aluna, que o desafio era escrever um poema, parecido com o texto ouvido, falando também da infância e da cidade dela. Primeiramente pedi que escrevesse, em prosa, tudo que ela lembrava da cidade e de sua infância. Ela escreveu uma folha inteira, mais o verso da folha. Quando começou a escrever parecia que não mais pararia. Li o texto, fiz poucas correções, porque voltaríamos nele, pois o foco da aula era a escrita do poema.
Enquanto ela escrevia, fiz um esquema do poema de Cora, colocando a quantidade de versos e estrofes.
Quando ela terminou de escrever falei sobre texto em prosa e texto em verso, bem como a diferença entre ambos: forma, utilização das palavras.
Mostrei o esquema do poema de Cora, montei também uma ideia do que ela falaria nas estrofes, de acordo com o que estava no texto já escrito em prosa.
A cada estrofe as ideias iam fluindo, as palavras, quando havia algum entrave, ia dando uma ou outra sugestão.
Dona J., ou melhor, a agora autora J. T..., escreveu seu primeiro poema, assinou sua criação, feliz com mais esta conquista! Disse ainda “que delícia escrever!”
Também fiquei feliz com esta minha conquista: ouvir dela essa frase, que mostra que aos poucos os obstáculos estão sendo superados, que a aprendizagem está acontecendo, mais ainda, que está havendo prazer em aprender, prazer em escrever, em poetisar.

Minha aluna: Senhora do Destino

26/08/2010 – Hoje minha aluna chegou animadíssima, dizendo que eu fui enviada por Deus. Em seguida já foi me contando que adorou o livro (que eu trouxe para ela da Bienal), que é a “história da vida dela, que inclusive havia lido um trecho para  o filho dela, que disse a mesma coisa”.  Me contou trechos do livro, que a emocionaram, que conseguiu se ver, como se estivesse vivendo a história, que está fruindo a leitura, que depois que soube, por mim, que os detalhes, as minúcias fazem a beleza da literatura, que ela está aprendendo a apreciar a leitura, os livros. Quis conversar, falar sobre o livro, sobre a história da vida dela. Me falou de uma música, do Milton Nascimento, que foi tema da novela “Senhora do Destino”, ouvimos um cd com a música, ela chorou de emoção. Conversamos bastante, por conta disto disse que não iria cobrar a aula, afinal mais conversamos... Ela disse que lendo este livro, assiste a tv e consegue se lembrar que leu a palavra, que sabe o significado. Que tem certeza que vai vencer esta luta, que é uma batalhadora, haja vista a história de vida dela.

Eu vou escrever o meu livro!

21/08/2010
Hoje, pouco antes do horário marcado para a aula, minha aluna ligou, muito cansada (havia feito faxina na casa, lavado roupa!), queria desistir da aula, mas perguntou o que eu achava, disse, então, que ela deveria tomar um banho, que ficaria mais animada, assim teria forças para vir para a aula.
Ela veio. Percebi, logo no portão, que mesmo cansada, estava animada. Retomamos o relato autobiográfico, que ela havia escrito ontem. Falei primeiro dos acertos dela: uso de verbos no passado, utilização de expressões como “quanto era criança”. Em seguida falei dos erros de ortografia: “derrepente”, “secasar”, acentuação: “gravida”, retomamos, assim, a regra de acentuação das proparoxítonas. Falei a diferença entre o prefixo “auto” e a palavra “alto”.
Ainda analisando o texto dela, falei que ela encontraria, em textos deste tipo, a utilização de verbos no passado, indicando coisas que aconteceram há muito ou pouco tempo; verbos no presente, indicando fatos que estão acontecendo agora (tempo presente), que o autor faz esse vai-e-vém entre passado e presente durante todo o texto. Quando expliquei isso, em seguida, acendeu-se em sua testa uma luz, ela me disse “No livro da Lya Luft, que estou lendo, acontece isto o tempo todo. No começo eu não estava entendendo, mas agora a senhora explicando desse jeito, percebi porque ela ora fala do presente, ora do passado.” Atrelei a este comentário dela, mais comentários sobre o outro livro que ela leu, do Carlos Heitor Cony.
Para encerrarmos a aula, abri o livro do I Prêmio Ser Autor, abri em uma das páginas que contam histórias (relatos reais) de professores e, fui muito feliz, quando ao acaso parei no texto “Viação Santa Maria”, que conta a história de um jovem, na 8ª série, cuja vida foi transformada pela leitura e pela escrita. Me emocionei, ela emocionou-se muito mais, as lágrimas afloraram, e ela me disse “Que maravilha! Que lindo! D. Maria, eu vou escrever o meu livro!” Eu disse para ela, que sim, com certeza iria escrevê-lo, que eu iria na noite de autógrafos.

Leitura: a pedra preciosa

Dia 20 de agosto de 2010
Estive na 21ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, de onde trouxe um livro, Dias raros, de João Anzanello Carrascoza, que entreguei a minha aluna com uma carta. Ela iniciou a leitura, mas no meio as lágrimas afloraram e ela não conseguiu prosseguir, então eu terminei. Ela ficou muito feliz e disse que são coisas como essa, que fazem com que ela não desista!
Falamos um pouco sobre cartas, pois foi o assunto de nossa aula anterior, ela mostrou-me uma outra carta, que havia escrito. Li a carta, comentei alguns erros, corrigi-os, expliquei. Me fixei mais na diferença entre PÔS e POIS, a função das palavras, como usá-las. Sempre comparo o que estou explicando com algo mais palpável, por exemplo, expliquei que as conjunções servem para ligar frases e orações, tal como a farinha em um bolo, que serve para dar “liga”, ou então os elos de uma corrente. Disse que as palavras têm uma função, verbos e conjunções, que tal como um livro e um lápis servem para atividades distintas, assim são as palavras.
Falei que iríamos trabalhar com relato autobiográfico, por isso expliquei a diferença entre biografia e autobiografia. Li um relato de memórias de leituras de uma professora do Prêmio Ser Autor, que nos emocionou muito a ambas, para comentar algumas características deste tipo de texto: uso de primeira pessoa e verbos no passado.
Em seguida, pedi que D. J. escrevesse uma de suas tantas histórias de infância, atentando para escrever usando a primeira pessoa e os verbos no passado. Terminada a escrita, fiz algumas correções: acentuação, ortografia, mas fiquei de explicar cada correção na próxima aula.
Para terminar a aula li um poema de uma aluna de 54 anos, da rede pública estadual, do 3° ano do EM-EJA, cujo poema foi publicado no mesmo livro do Prêmio citado acima. Ela ficou encantada com a beleza do poema, com o uso que fizeram das palavras. Ela disse que agora estava encontrando sua pedra preciosa.

Cartas e auto-estima

Hoje, 13/08/2010, minha aluna chegou um pouquinho atrasada. Logo que entrou na sala, já me disse que estava desanimada. Disse o que sempre diz nesses momentos: que não sabe ler, nem escrever, que não entende o que lê. Que conversou com algumas pessoas “amigas”, acabou ouvindo comentários do tipo “Pra que continua ido a essas aulas se nem vai ter diploma?”, “Para que você quer continuar estudando?”
Após esses e outros comentários, que ouvi atentamente, fiz um “feedback”, do que fizemos nos últimos dias:
- ela leu um livro sozinha, sem ajuda;
- ela foi capaz de me contar um resumo da história;
- conseguiu contar detalhes do livro;
- sentiu-se tocada pela linguagem do autor e pela história lida.
Que tudo isso indicava que ela havia entendido o livro. Em seguida ela me disse que havia palavras em inglês, que ela não conseguiu ler, nem entender, então rebati dizendo que, durante nossa vida de leitores, veremos termos em inglês, francês ou espanhol, mas que elas não nos impedirão de entender noventa ou noventa e nove por cento do livro.
Mostrei a ela um livro de Gabriel Garcia Márquez, o último que ele escreveu, autobiográfico, disse que quando o li, achei que não tinha entendido nada, pois o livro é denso, que traz, entre outras coisas, um pouco da história da Colômbia, mas que um dia ouvindo uma reportagem, que tratava da história recente deste país, lembrei do episódio, porque havia lido no livro de Márquez.
Em seguida, falei que íamos estudar sobre a escrita de cartas. Ela comentou que uma outra professora já havia ensinado, mas mesmo assim insisti. Li uma carta que Mario de Andrade escreveu ao, então jovem escritor, Fernando Sabino. Comentei a estrutura da carta, mostrei cada parágrafo e os assuntos, bem como detalhes como o nome completo do destinatário, Fernando Tavares Sabino, o que indicava que não tinham intimidade, além disso o teor da carta se restringia à análise do livro enviado para Mario de Andrade, como também sobre as perspectivas do futuro escritor; que isto também demonstrava formalidade.
Falei da diferença de linguagem de uma carta trocada entre amigos, uma carta trocada entre uma empresa e o cliente, para isso mostrei uma carta da Telefônica, comparando a estrutura: cidade e data, vocativo, assinatura, alinhamento do texto.
Nesse momento demonstrei que ela, se fosse escrever uma carta, apresentando a empresa dela para outras grandes empresas da cidade, utilizaria a linguagem formal, objetiva, como a carta da Telefônica.
Pedi então que escrevesse uma carta a algum amigo(a). Após a escrita fiz a correção da acentuação, alguns errinhos de ortografia, me detive no uso de MAS e MAIS, cujo uso errado apareceu no texto dela. Comentei positivamente o texto, enfocando os acertos: atendeu à estrutura do gênero textual, fez a paragrafação.
Quando nos despedimos no portão, ela me disse que estava mais animada!